15/08/2011

A história d'eles - teimas em fugir

Estou a um palmo de ti, tu olhas para o lado direito, eu estou à esquerda. E assim ficou. Tudo parado no tempo. Casou-se com outro, mas o desejo dela continua comigo, a roer-me sempre que ela quer.
E digo: ou tu ou ninguém, e um pássaro solto das mãos, com um recado para ti. Tu respondes: logo à noite vou falar contigo.
E eu espero.
Espero. Perdoa-me, disseste. Perdoar o quê, tu tens de me perdoar, eu não. Pensa. Será?
Sou eu que te digo, vive para mim, por mim. Para que tudo seja perfeito. Tu teimas em não querer ver, teimas em não acreditar, teimas em desobedecer, teimas em fugir. Há muito que sei que sem ser eu, só posso ser eu. Para que tudo seja perfeito. Não fujas, não temas, não arranjes desculpas esfarrapadas, não digas que não me amas, teimas em fugir.
Eu espero.
Para que tudo seja perfeito.
Teimas em fugir!

28/07/2011

 

 
Ao longo da muralha que habitamos
Há palavras de vida há palavras de morte
Há palavras imensas,que esperam por nós
E outras frágeis,que deixaram de esperar
Há palavras acesas como barcos
E há palavras homens,palavras que guardam
O seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras,surdamente,
As mãos e as paredes de Elsenor

E há palavras e nocturnas palavras gemidos
Palavras que nos sobem ilegíveis À boca
Palavras diamantes palavras nunca escritas
Palavras impossíveis de escrever
Por não termos connosco cordas de violinos
Nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
E os braços dos amantes escrevem muito alto
Muito além da azul onde oxidados morrem
Palavras maternais só sombra só soluço
Só espasmos só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
E entre nós e as palavras, o nosso dever falar.

- Mário Cesariny
 
 
" — Quando se trata de sensualidade — diz Henry — , tu és quase mais sensual do que June. Porque ela pode ser um esplêndido animal quando se está com ela nos braços, mas depois, nada. Ela é fria, dura até. O teu sexo permeia o teu espírito, passa a seguir para a cabeça. Tudo o que pensas é quente. Tu estás constantemente quente. A única coisa é que tens um corpo de garota. Mas que poder que tens de manter a ilusão. Tu sabes como os homens se sentem depois de terem tido uma mulher. Ficam com vontade de lhes dar um pontapé para fora da cama. Contigo, depois de tudo o ambiente fica tão alto como antes."

[ Anaïs Nin in «Henry e June»]

18/04/2011



"Amo como ama o amor.
Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar.
Que queres que te diga,
além de que te amo,
se o que quero dizer-te é que te amo?"


Fernando Pessoa


"Faz um pacto comigo"


Não ceder a pressões;
Não deixar de ser quem somos, Integridade;
Procurar a verdade;
Prazer, dar e receber, sempre!
Desejar, desejar, desejar;
Respeitar;
Acarinhar;
Sonhar, permitir sonhar;
Realizar sempre que possível;
Sinceridade sempre que possível;
Entrega por um segundo mais feliz!

Música do título, click, Adriana Calcanhoto, "Mais Feliz"
http://muse-sempudor.blogspot.com

16/04/2011

O Óbvio

Obviamente quero-te.
Como poderia não querer
esta cumplicidade que nos une.
Obviamente provoco-te.
Como poderia evitá-lo
se tu me tentas a cada passo.
Obviamente que me entrego.
Porquê ser dominadora
se essa entrega me liberta.
Obviamente sou tua.
Como poderia negá-lo
se o corpo o diz mais claramente do que as palavras.
Obviamente és livre.
Não se agrilhoam dragões
a menos que se queira que definhem.
Obviamente sou livre.
E a minha escolha é manifestação da minha vontade
por mais errada que ela possa parecer aos demais.
Tudo isto é óbvio.
Mas o mais importante
é que tudo isto
é certo.



Meu amor,


Nada é mais certo do que um encontro de amor, é. Eu sei que o desencontro é um acaso com efeitos, em mim, em ti, e há sempre uma escolha meu amor, há sempre uma escolha de palavras, de comportamentos que determinam o amor em cada momento.

O amor é real, feito de coisas banais, eu gosto de amar o sonho feito de ideais, assim é o amor, irreal. Eu sinto e sei que sentes porque sentimos os dois, sentimos os dois, e quando os dois sentem, sente-se, é real, as pessoas apaixonam-se.

A escolha das palavras é uma escolha que muitas vezes não dominamos, tudo pode ser mais forte que o amor, o Medo pode ser mais forte, o Tempo pode ser mais forte, a Dor pode ser mais forte se assim o escolhermos. É preciso coragem para encarar o amor de frente, porque o amor não é uma escolha, acontece e acontece que é preciso amar por inteiro e dizer apenas o que se sente sem merdas, sem desculpas, sem depois nem antes. Esconder as palavras, esconder o toque, esconder apenas…

não tenhas pena meu amor, não tenhas pena se me vires as lágrimas de dor ou de amor, não tenhas pena de cair, todos nós somos fortes para nos erguer, ninguém é perfeito, eu não sou perfeita, nem quero ser, tu não és perfeito e eu não quero que sejas, mas tudo isto meu amor,

tudo isto só fará sentido se vivermos o amor imperfeito.

Eu sei que tenho medo de sofrer, e que tens medo de sofrer e ambos temos medo de fazer sofrer, mas eu sei que encontrou-nos o Amor, e eu não sei desistir de o viver e eu não faço a menor idéia de como vai ser, nem quero saber, quero apenas, e só, viver, mesmo que o amor nos diga um dia que afinal, não era para ser.


com amor

Sem Pudor

15/04/2011


Elegia dos Amantes Lúcidos


Na girândola das árvores (e não há quem as detenha)
Deixa de fora a tarde o vermelho que a tinge.
Se ao menos tu ficasses na pausa que desenha
O contorno lunar da noite que te finge!

Se ao menos eu gelasse uma corda do vento
para encontrar a forma exacta dum violino
Que fosse a sensibilidade deste pensamento
Com que a minha sombra vai pensando o meu destino

E não houvesse o sono dum telhado
Entre ter de haver eu e haver o tecto;
E a eternidade não estivesse ao lado
A colocar-nos nas costas as asas dum insecto

Meu amor, meu amor, teu gesto nasce
Para partir de ti e ser ao longe
A cor duma cidade que nos pasce
Como a ausência de deus pastando um monge

Ah, se uma súbita mão na hora a pique
Tangendo harpas geladas por segredos
Desprendesse uma aragem de repiques
Destes sinos parados pelo medo!

Mas só porque vieste fez-se tarde,
Ou é a vida que nasce já tardia
Como uma estrela que se acende e arde
Porque não cabe na rapidez do dia?

Nem homem nem mulher. Só a moeda antiga:
Uma inflação de deuses que não pode parar
Como um pássaro cego à nora da intriga
Que é a morte no centro connosco a circular.

Será o mesmo tempo que nos cabe?
Talvez sejas a raça prematura
Duma gota de orvalho que se há-de
Negar à minha sede desértica e futura.

Como o brilho dum sol partido ao meio
Damos luz pela nostalgia da metade.
Partes para ser gaivota no meu seio.
Mas não trazes no bico uma cidade.

Aqui pousou um pássaro de lume
Que deixou um voo subterrâneo
Na repetida vibração do gume
Que cada hora traz à lâmina do crânio.

Teus dedos num relógio como a picada duma abelha
A fabricar o mel da estação perdida!
Que quanto a primavera um rouxinol na telha
É toda a melodia que traz na unha a vida.

O navio tem dois extremos ermos:
Os cabelos para Vénus e os pés para Marte.
Mas a viagem é o mar com a terra a ver-nos.
E com lenços à vista ninguém parte.

Ah, se ao menos eu pudesse agora erguer-me
Como uma pedra pelas minhas mãos futuras
E ficasse para sempre a aquecer-me
Ao sol que cega efémeras criaturas!

Se soltasses as aves da rotina
E de um jorro de deuses abrisses a comporta
E reclinada em tua espádua genuína
Eu entrasse num céu sem ter que achar a porta!

Se tu viesses cavaleiro branco
Orvalhado pela manhã do meu instinto.
E ficasses a chamar-me como um canto
No porvir do nosso último recinto!

Se ficássemos espuma de Maio cor-de-rosa
Nas praias donde Maio se retira,
Enrolados nos panos duma paisagem silenciosa
Que fosse a pura sonoridade da ausência duma lira!

Ah, as sementes que te exigem em declive
Entre abismos onde nunca te despenhas
E esfumados voos em que te embebes e revives
O que de ti já pousou no cume das montanhas!

Inútil decifrarmos este oráculo de ave absorta
Na incontinência do voo que a abrasa.
Se houver um palácio sem porta, talvez seja a porta.
Se houver uma casa sem tecto, talvez seja a casa.

Natália Correia, in "Passaporte"

12/04/2011



Um querer de pele é uma verdade constante, é ainda mais do que uma paixão, é cru, é nu, é feito de carne e osso, suor e risos, vibra, mexe, pulsa, transforma as células e as pupilas gustativas, cientificamente falando regenera-se quimicamente, há vida em todos os poros, há cor nos detalhes que até então passavam despercebidos. O meu corpo reconhece-te como um todo feito para ampliar o que existe aqui e aí, é uma troca sem bloqueios, é um som repleto de silêncio, é uma viagem no mais ínfimo da essência, é um clímax suspenso como subir ao cimo de uma montanha e receber o ar fresco ao som de um coração a gritar por vida. É entrar no teu tesão por mim e receber o teu prazer como um desejo meu através do desenho feito pela ponta da minha língua no teu prepúcio, glande, testículos, é acompanhar-te a crescer como quem te sente por dentro, é ouvir-te a tremer no meu gemer e gozar o momento no respirar-te. É Perder o domínio do corpo quando me deixo nas tuas mãos e guias-me pelo prazer que me das, entras-me como se soubesses o que eu preciso a seguir. O prazer contigo não é um fim em si mesmo, é uma constante descoberta de se ver em ti mesmo, é um encontro de uma verdade paralela a qualquer outro adjectivo que possa limitar a arte do desejo.


http://muse-sempudor.blogspot.com
A minha imagem

A minha imagem, tal qual eu a via nos espelhos, anda sempre ao colo da minha alma. Eu não podia ser senão curvo e débil como sou, mesmo nos meus pensamentos.
Tudo em mim é de um príncipe de cromo colado no álbum velho de uma criancinha que morreu sempre há muito tempo.
Amar-me é ter pena de mim. Um dia, lá para o fim do futuro, alguém escreverá sobre mim um poema, e talvez só então eu comece a reinar no meu Reino.
Deus é o existirmos e isto não ser tudo.

- Bernardo Soares
(heterónimo de Fernando Pessoa)

11/04/2011

Carta de Amor - A história d'eles - Mergulho

 
Vivo nas coisas de viver ao menos uma vez sem castigos ou panaceias de meninas bonitas feitas de encomenda.
Desenho no teu corpo a vida que vivi contada ao milímetro das coisas boas e más, dos erros, mágoas.

Passado. Nas cartas que escrevo e me revejo, um tom alongado de desejo e tu e eu somos amantes. Amores, paixões.
Mergulho nas memórias atadas em cartas e deixadas no fundo de uma gaveta perdidas achadas em noite de solidão.

Mergulho as minhas mãos e tiro a primeira carta. Lascívia, luxúria, desejo e posse.
Amor como alegras os meus dias, anda aqui pede-me qualquer coisa, deixa-me que te beije.
A segunda carta era de amor, profundo, inquietante e cego. Eu sei que tu ainda me amas - disse.
A terceira era de uma fugidia indiferença, daquelas que me gelam mais do que o frio e os glaciares.
- Eu sei, dizes.

Não inventei nada a história está toda lá, entre os papéis, os livros, as fotografias e a fita azul que usavas nos cabelos.

A quarta era uma nota de página, de um papel quadriculado, dum bloco A4 endereçado a algúem que deveria ser eu, mas não era. - Perdi-te o rasto.
Mergulho e acho o teu corpo nas mãos ao contacto da pele de um ente misterioso que me observa e ri.
Ri de mim.
Passo a passo afasto-me, e tu dizes: - Já sei de tudo!
Mergulho, sem tempo para te dizer: -ainda assim somos pessoas adultas e sempre pensei que voltarias para mim.

Mas não voltaste!
 
 
http://belosmalditos.blogspot.com/
 
já não é hoje?
não é aquioje?
já foi ontem?
será amanhã?
já quandonde foi?
quandonde será?
eu queria um jázinho que fosse
aquijá
tuoje aquijá.

- Alexandre O'Neill

09/04/2011


Eu amo-te sem saber como, ou quando, ou a partir de onde. Eu simplesmente amo-te, sem problemas ou orgulho: eu amo-te desta maneira porque não conheço qualquer outra forma de amar sem ser esta, onde não existe eu ou tu, tão intimamente que a tua mão sobre o meu peito é a minha mão, tão intimamente que quando adormeço os teus olhos fecham-se.

- Pablo Neruda, in "Cem Sonetos de Amor"

ELEMENTOS - “TERRA

Pés nus,
bem enterrados na areia,
submersos,
nas partículas imensas
que povoam aquela praia.
Movo os pés,
afundo-os mais.
Sinto o espaço a aparecer no deslizar,
no mexer intencional dos meus pés.
A areia move-se com vontade própria.
As ondas fustigam-na mais abaixo,
continua e repetidamente…
Mas a areia não cede.
Abre-se e absorve a agua.
Seca por segundos
enquanto o mar não faz nova investida.
Sinto o calor do sol no corpo.
O fresco da areia húmida nos pés.
Deixo que o cheiro da maresia
me invada as narinas,
tome conta dos meus pulmões,
se misture com o meu sangue.
Sinto esse cheiro a percorrer-me o corpo,
veias, artérias,
bombeado por um coração que bate forte.
Fecho os olhos e olhos para o sol.
Sinto na face
o calor e cor que me oferece.
Carrego baterias.
Aquele minuto que passou devagar
traduz-se em dias,
meses, anos, uma vida inteira.
Recebo e usufruo.
Agradeço vivendo.


08/04/2011


 

Kitty: Oh, you're reading a book?
Laura Brown: Yeah.
Kitty: What's this one about?
Laura Brown: Oh, it's about this woman who's incredibly - well, she's a hostess and she's incredibly confident and she's going to give a party. And, maybe because she's confident, everyone thinks she's fine... but she isn't.

- Memorables quotes from "The Hours" (original title) 

** As Horas (The Hours, em inglês) é um filme de longa-metragem anglo - americano de 2002, do género drama, dirigido por Stephen Daldry, baseado no livro As Horas, de Michael Cunningham.
 
Era uma vez uma pessoa que procurava a sabedoria. Tinham-lhe dito que para a atingir tinha sempre de aceitar e recusar ao mesmo tempo tudo o que lhe fosse oferecido, dito ou mostrado. Quando perguntava por onde era o melhor caminho e lhe diziam “é por ali” ela devia seguir imediatamente nesse sentido e depois no sentido contrário. Tendo assim percorrido todas as direcções indicadas e as não indicadas, sem mais caminhos a percorrer, sentou-se no chão e começou a chorar. Sem saber, tinha chegado.

- Ana Hatherly

07/04/2011




O SEGREDO

por Belos e Malditos


Escondes um segredo, terrível segredo,
falas de Amor como quem foge fugindo.
Os corpo nus como deuses em terra esculpidos
danças ao som de flautas, envolta em brancos mantos.
rodeiam-te as sombras de um qualquer amante, orgasmos.
Orgasmos desenhados em sonhos de amante a quem chamas, chamando.
nome que não te cabe na boca, desejo que te alimenta o corpo. Fogo.
Viagem na verdade a que chamas ilusória. Rodeiam-te. Cercam-te.
és a mulher feita à semelhança dos que te vêem. não és tu. Tu.
Descobres num cálido Novembro a verdade sobre o Outro. Ele.
ele mesmo ele, o que esperas, o que apontas, a alma. O.
Tu comigo e eu contigo. O encontro. O redigir título.
de novo uma bela criação de um homem e uma mulher.
Juntos, tu comigo, eu contigo. Ele. Ela. Tu. Eu.


http://www.facebook.com/notes/belos-e-malditos/o-segredo/

06/04/2011


fábula do fundo dos teus olhos

sabes, houve um tempo em que os teus olhos eram todo o meu mar
olhava para o fundo dos teus olhos e nunca via o que não podia ser
o que busco nestas águas e sei não estar escrito em cartas de marear
o brilho do sol sobre o salpico de espuma no vento que enfuna a vela
olhava para o fundo dos teus olhos e apenas via o que não podia ter
um mastro erguido contra a solidão na breve leveza da âncora içada


mas ontem olhei para os teus olhos e não vi senão o fundo dos meus

- josé luís

 
in http://poediapoedia.blogspot.com/
Necrológio dos Desiludidos do Amor
Os desiludidos do amor
estão desfechando tiros no peito.
Do meu quarto ouço a fuzilaria.
As amadas torcem-se de gozo.
Oh quanta matéria para os jornais.

Desiludidos mas fotografados,
escreveram cartas explicativas,
tomaram todas as providências
para o remorso das amadas.

Pum pum pum adeus, enjoada.
Eu vou, tu ficas, mas nos veremos
seja no claro céu ou turvo inferno.

Os médicos estão fazendo a autópsia
dos desiludidos que se mataram.
Que grandes corações eles possuíam.
Vísceras imensas, tripas sentimentais
e um estômago cheio de poesia...

Agora vamos para o cemitério
levar os corpos dos desiludidos
encaixotados competentemente
(paixões de primeira e de segunda classe).

Os desiludidos seguem iludidos,
sem coração, sem tripas, sem amor.
Única fortuna, os seus dentes de ouro
não servirão de lastro financeiro
e cobertos de terra perderão o brilho
enquanto as amadas dançarão um samba
bravo, violento, sobre a tumba deles.


- Carlos Drummond de Andrade, in 'Brejo das Almas'


04/04/2011

 

Date a girl who reads


“Date a girl who reads. Date a girl who spends her money on books instead of clothes. She has problems with closet space because she has too many books. Date a girl who has a list of books she wants to read, who has had a library card since she was twelve.

Find a girl who reads. You’ll know that she does because she will always have an unread book in her bag.She’s the one lovingly looking over the shelves in the bookstore, the one who quietly cries out when she finds the book she wants. You see the weird chick sniffing the pages of an old book in a second hand book shop? That’s the reader. They can never resist smelling the pages, especially when they are yellow.

She’s the girl reading while waiting in that coffee shop down the street. If you take a peek at her mug, the non-dairy creamer is floating on top because she’s kind of engrossed already. Lost in a world of the author’s making. Sit down. She might give you a glare, as most girls who read do not like to be interrupted. Ask her if she likes the book.

Buy her another cup of coffee.

Let her know what you really think of Murakami. See if she got through the first chapter of Fellowship. Understand that if she says she understood James Joyce’s Ulysses she’s just saying that to sound intelligent. Ask her if she loves Alice or she would like to be Alice.

It’s easy to date a girl who reads. Give her books for her birthday, for Christmas and for anniversaries. Give her the gift of words, in poetry, in song. Give her Neruda, Pound, Sexton, Cummings. Let her know that you understand that words are love. Understand that she knows the difference between books and reality but by god, she’s going to try to make her life a little like her favorite book. It will never be your fault if she does.
She has to give it a shot somehow.

Lie to her. If she understands syntax, she will understand your need to lie. Behind words are other things: motivation, value, nuance, dialogue. It will not be the end of the world.

Fail her. Because a girl who reads knows that failure always leads up to the climax. Because girls who understand that all things will come to end. That you can always write a sequel. That you can begin again and again and still be the hero. That life is meant to have a villain or two.

Why be frightened of everything that you are not? Girls who read understand that people, like characters, develop. Except in the Twilight series.

If you find a girl who reads, keep her close. When you find her up at 2 AM clutching a book to her chest and weeping, make her a cup of tea and hold her. You may lose her for a couple of hours but she will always come back to you. She’ll talk as if the characters in the book are real, because for a while, they always are.
You will propose on a hot air balloon. Or during a rock concert. Or very casually next time she’s sick. Over Skype.

You will smile so hard you will wonder why your heart hasn’t burst and bled out all over your chest yet. You will write the story of your lives, have kids with strange names and even stranger tastes. She will introduce your children to the Cat in the Hat and Aslan, maybe in the same day. You will walk the winters of your old age together and she will recite Keats under her breath while you shake the snow off your boots.

Date a girl who reads because you deserve it. You deserve a girl who can give you the most colorful life imaginable. If you can only give her monotony, and stale hours and half-baked proposals, then you’re better off alone. If you want the world and the worlds beyond it, date a girl who reads.

Or better yet, date a girl who writes.”

Rosemary Urquico




in http://intermitenciasss.tumblr.com/

01/04/2011

DO LIVRO DOS AMANTES


Surpresas? Desta vez não haverá surpresas.
Surpreendido? sim, mas não ficarás desiludido…
De mim para ti, há vontade: vontade, desejo, sedução e o querer que devolvas tudo isto em doses triplas.
Olho para ti. O teu rosto está cansado mas os teus olhos brilham. Sorrio, e o sorriso inflama. Entre nós há cumplicidade e eu quero-te.
(Queres-me?... penso)
Estás sentado na cama. O peito nu, as costas encostadas, o resto do corpo debaixo do lençol. Enquanto me esperas, fumas um cigarro, pensativo. Gosto da forma como pegas no cigarro, a forma como inspiras e expiras, reténs aquilo que o cigarro te dá. Aprecias o momento, e eu gosto de te apreciar, apreciando.
Caminho para junto da cama. Pouso um joelho sobre a cama, debruço-me e gatinho até ti. Sento-me no teu colo, de frente para ti, as tuas pernas debaixo das minhas pernas, o meu peito perto do teu de forma a sentires o meu cheiro.
Tiro a toalha que trago enrolada no corpo e fico nua perante ti.
Os nossos olhos não se desviam um milímetro um do outro desde o momento em que comecei a caminhar para ti. Os teus olhos brilham, a minha pele queima de desejo.
(Foda-se, quero-te, tanto, mas tanto…)
Levo as minhas mãos até ao teu rosto. Com a ponta dos dedos, toco-te levemente e desenho o teu rosto: olhos, nariz, lábios, queixo, vou até perto das orelhas, regresso aos lábios. Delicadamente, aproximo o meu rosto do teu e beijo-te. Primeiro, ao de leve, depois, forço a entrada com a minha língua e procuro a tua. Sinto a tua respiração, sinto o teu corpo relaxar, sinto o calor da tua boca, mergulhamos na dança das línguas e da saliva. O beijo é intenso, é voraz… DESEJO… DESEJO… latente, manifesto, CRESCENTE…
As minhas mãos deslizam para a tua nuca e massagem ao de leve. A ponta dos dedos pressionam os músculos do pescoço, ombros, regressam à nuca.
As nossas bocas separam-se. Os olhos querem-se ver novamente. Os olhos BRILHAM, falam a linguagem do desejo: e é uma coisa visceral, que cresce de dentro, que vem com força, que nos enfraquece os braços e as pernas, e que é bom de SENTIR.
Levo as minhas mãos aos teus cabelos revoltos. Massajo a tua cabeça, lentamente, ousadamente deixo os meus peitos roçarem a tua boca, o teu nariz….
(Vá, toca-me…)
Apanhas o meu corpo, puxas-me pela cintura para ti e forças-me no lençol. Caio de costas, e vens sobre mim… A tua boca, as tuas mãos, o teu corpo devora o meu, explora-me e os meus sentidos explodem de PRAZER…
(És tão bom no que me fazes, e no que me fazes sentir)
Abro-me para ti. Os teus dedos exploram o meu interior, no sexo afastas os meus lábios, e a tua língua toma-me de assalto… estou completamente molhada… o PRAZER é como uma onda que dá à praia no meu corpo, não controlo o gemido, estou completamente perdida no que me estás a dar… e estou quase lá (Vim-me… e rio-me, perdida, descontrolada…)
Agora beijas-me. Os sabores confundem-se. O sabor do meu sexo na tua boca, sabe de forma diferente e eu gosto disso. (Morro de ternura por ti, não te disse, nunca hei de dizer… acho eu).
Agora invertemos posições. E sou que parto à tua procura. Desço até ao teu sexo, as minhas mãos deslizando pelo teu peito e engulo-te… TESÂO… Ai, como gostas… sei que gostas… É bom ver-te assim. (És a minha obra de arte favorita, mas nunca te o direi… acho eu…)
Vens-te, explodes no meu peito e isso mexe comigo… sou TUA…
Deito-me ao teu lado. Limpas-me o peito com a toalha que estava perdida na cama. Protesto, quero absorver o teu sabor… lambo os dedos com o que fica.
Rimo-nos, beijamo-nos… somos AMANTES… mas não no sentido pejorativo do termo. Somos AMANTES de nós, e do que temos…
Hoje, por breves momentos, a vida quotidiana fica lá fora, porque temos muito a explorar nos braços um do outro.
- Anda, vem…
A dança dos nossos corpos nus, continua nos lençóis molhados. Estás novamente duro e eu subo para cima de ti, enterro-me no teu sexo e movo-me. Sensual, com sensualidade. Sei que gostas, assim, rodo devagarinho, vou ao fundo, volto, vou, volto… para a frente com intensidade, como se o meu sexo pudesse tocar o teu umbigo, arrasto-me na tua pele, é tão BOMMMM…

31/03/2011


Eu que me Aguente Comigo

Contudo, contudo,
Também houve gládios e flâmulas de cores
Na Primavera do que sonhei de mim.
Também a esperança
Orvalhou os campos da minha visão involuntária,
Também tive quem também me sorrisse.
Hoje estou como se esse tivesse sido outro.
Quem fui não me lembra senão como uma história apensa.
Quem serei não me interessa, como o futuro do mundo.

Caí pela escada abaixo subitamente,
E até o som de cair era a gargalhada da queda.
Cada degrau era a testemunha importuna e dura
Do ridículo que fiz de mim.

Pobre do que perdeu o lugar oferecido por não ter casaco limpo com que aparecesse,
Mas pobre também do que, sendo rico e nobre,
Perdeu o lugar do amor por não ter casaco bom dentro do desejo.
Sou imparcial como a neve.
Nunca preferi o pobre ao rico,
Como, em mim, nunca preferi nada a nada.

Vi sempre o mundo independentemente de mim.
Por trás disso estavam as minhas sensações vivíssimas,
Mas isso era outro mundo.
Contudo a minha mágoa nunca me fez ver negro o que era cor de laranja.
Acima de tudo o mundo externo!
Eu que me aguente comigo e com os comigos de mim.

- Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa
Não posso adiar para outro século a minha vida
Nem o meu amor
Nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração


- António Ramos Rosa

30/03/2011



All my life, I have been in love with the sky. Even when everything was falling apart around me, the sky was always there for me.
- Yokoono

Tenho um decote pousado no vestido e não sei se voltas,
mas as palavras estão prontas sobre os lábios como
segredos imperfeitos ou gomos de água guardados para o verão.
E, se de noite as repito em surdina, no silêncio
do quarto, antes de adormecer, é como se de repente
as aves tivessem chegado já ao sul e tu voltasses
em busca desses antigos recados levados pelo tempo:


Vamos para casa? O sol adormece nos telhados ao domingo
e há um intenso cheiro a linho derramado nas camas.
Podemos virar os sonhos do avesso, dormir dentro da tarde
e deixar que o tempo se ocupe dos gestos mais pequenos.


Vamos para casa. Deixei um livro partido ao meio no chão
do quarto, estão sozinhos na caixa os retratos antigos
do avô, havia as tuas mãos apertadas com força, aquela
música que costumávamos ouvir no inverno. E eu quero rever
as nuvens recortadas nas janelas vermelhas do crepúsculo;
e quero ir outra vez para casa. Como das outras vezes.


Assim me faço ao sono, noite após noite, desfiando a lenta
meada dos dias para descontar a espera. E, quando as crias
afastarem finalmente as asas da quilha no seu primeiro voo,
por certo estarei ainda aqui, mas poderei dizer que, pelo
menos uma ou outra vez, já mandei os recados, já da minha
boca ouvi estas palavras, voltes ou não voltes.




- Maria do Rosário Pedreira

29/03/2011


I see you everywhere, in the stars, in the river, to me you’re everything that exists; the reality of everything.
— Virginia Woolf, Night And Day

Sabe que atravessou uma fronteira mas não sabe dizer qual. Se alguém lhe perguntasse faria um esforço e talvez encontrasse não a resposta certa mas uma possível que calasse a pergunta. Mas não há quem lhe pergunte. Vai até ao espelho do quarto de banho e olha a sua cara. Tão estranho ter-se uma cara. O lugar dos olhos. O desenho dos lábios. A cor da pele. Passa água fresca sobre a cara. Não se seca com a toalha que está mesmo ao seu lado direito. Continua a olhar-se com a cara molhada. O que nos une é uma mesma ignorância. É uma frase que lhe vem com frequência à cabeça nas últimas semanas.
A sua vida parece-lhe a de uma outra pessoa. Talvez seja isso. Não poder reconhecer-se por completo no que faz, diz, deseja. Uma crescente discrepância. Uma diminuta, mas perceptível, perda de nitidez nos contornos. Como se a sua verdadeira vida se tivesse despegado da vida que leva e, com o tempo, a distância entre elas fosse aumentando e a reconciliação se tornasse cada vez mais improvável. Uma pessoa não é quem quer ser, não faz o que gostava mais do que tudo fazer, não dita a vida que a leva consigo. Talvez seja isso. O que acontece desde sempre quase sempre a qualquer um. Salvo nos momentos de paixão em que vivemos a tremenda certeza de estarmos a ser quem somos. Não é preciso que seja uma pessoa.
 
- excerto "Rosa Vermelha em Quarto Escuro", de Pedro Paixão

28/03/2011


Perfeita
se eu não fosse doida,
se eu não fosse masoquista,
se eu não fosse insegura,
se eu não fosse daqui,
se eu não fosse feita de pele,
se eu não fosse tolerante,
se eu não fosse idiota,
se eu não fosse cega,
se eu não fosse feita de coração,
se eu não fosse, teria ido embora quando senti vontade, quando quebraste um sonho em meio, quando acordei e não sabia o que fazer, mas quando apetece, apetece, e fiquei, e ainda bem que fiquei, porque
se eu fosse eu seria perfeita,
e eu não quero ser perfeita.

http://muse-sempudor.blogspot.com/

Desta fuga (do eu e do nós no isso) fazia parte o lado de Einstein que brincava e se ria permanentemente. O seu riso frequente e retumbante sobre si mesmo, assim como sobre muitos temas existenciais, e o seu hábito de comentar os factos com humor, eram uma expressão da sua forma de lidar com a vida. Na psicologia diz-se que a fuga pelo humor possibilita a distância e evita o envolvimento próximo e emocional. No riso de Einstein encontrar-se-á uma chave para a sua personalidade.

-  Excerto de biografia Albert Einstein

26/03/2011

Queen Elizabeth I: Are you here to tell me I must murder a Queen?
Sir Walter Raleigh: I would never presume to tell my Queen what to do. Only you know where your duty lies.
Queen Elizabeth I: Was it my father's duty to murder my mother? She was a Queen, for a time. Oh, I would be loath to die such so bloody a death.
Sir Walter Raleigh: Since when were you so afraid?
Queen Elizabeth I: I'm always afraid.
Sir Walter Raleigh: Kill a Queen and all Queens are mortal. We mortals have many weaknesses: we feel too much, hurt too much, all too soon we die, but we do have the chance of love.
Queen Elizabeth I: Do we? I have given England my life. Must she also have my soul?


- Elizabeth: The Golden Age (2007)
O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
...Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.

Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.

Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

- Alberto Caeiro

25/03/2011

"A dor que não ajuda ninguém é absurda"  - André Malraux
A Vida

A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua
mais que perfeita imprecisão, os dias que contam
quando não se espera, o atraso na preocupação
dos teus olhos, e as nuvens que caíram
mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações
a abrir-se para dentro e para fora
dos sentidos que nada têm a ver com círculos,
quadrados, rectângulos, nas linhas
rectas e paralelas que se cruzam com as
linhas da mão;

a vida que traz consigo as emoções e os acasos,
a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram
e dos encontros que sempre se soube que
se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com
quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo
o rosto sonhado numa hesitação de madrugada,
sob a luz indecisa que apenas mostra
as paredes nuas, de manchas húmidas
no gesso da memória;

a vida feita dos seus
corpos obscuros e das suas palavras
próximas.

Nuno Júdice, in "Teoria Geral do Sentimento"

24/03/2011


o meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher
entra em casa pela janela e não pela porta
por uma porta entra-se em muitos sítios
no trabalho, no quartel, na prisão,
em todos os edifícios do mundo
...mas não no mundo
nem numa mulher, nem na alma
quer dizer, nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim
como hoje, que chove muito
e me custa escrever a palavra amor
porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa
e só a alma sabe onde as duas se encontram

[Juan Gelman in "No avesso do mundo" - prémio Cervantes 2007]

23/03/2011

"A frase mais triste de qualquer língua: o que poderia ter sido."

Luis Fernando Veríssimo

Belos e Malditos - o feitiço


a sua presença no ar, sinto-a.
como se os anjos soprassem aos meus ouvidos que tudo que desejo está vindo ter comigo.
suave.
vejo-a.
como se tudo que estivesse à minha volta se tornasse num imenso manto secreto, onde cada passo seu, luz como a sua alma.
beijo-a, com todo o fervor.
a minha alma não suporta mais a distância.
engulo-a.
sinto o seu corpo colar-se ao meu.
quente.
passo a respirá-la, ela respira-me.
a ter-te, a te ter.
e quero-te mais, a cada dia mais.
sinto o teu corpo ferver nas minhas mãos.
queimando.
sinto-te cada vez mais.
beijo-te.
as minhas mãos deslizam suavemente por cada parte do teu corpo.
secreto.
acaricio suavemente os teus mamilos.
duros.
as minhas mãos já fazem parte de ti.
exploro o teu corpo, cada resquício, cada ponto…
abraço-te, levemente, para que a minha alma sinta a tua.
os nossos corpos nus, sedentos.
tesão.
o cérebro não já não controla.
perco-me em ti, só te sinto.
cada vez mais.
entro dentro de ti, como um faminto, voraz.
somos um só.
uma união perfeita, linda, quente, duro, tesão, beijos, carícias, gemidos, prazer, reteso o meu corpo, retenho-me.
o teu suor junta-se ao meu, a minha mão conduz a tua até à minha boca.
mordo-te os dedos para não gritar.
sinto enfim os movimentos descoordenados do teu corpo.
sacio-te.
sacio-me.


Belos e Malditos





21/03/2011

Ela disse: definitivamente obsessivo.
Ele disse: obsessivamente delicioso.
Arriscaram o coro: deliciosamente definitivo?

(mas queriam algo novo)

Em uníssono e numa palavra gritaram:
- Simples: é simplesmente precioso

O medo é muitas vezes o muro que impede as pessoas de fazerem uma série de coisas. Claro que o medo também pode ser positivo, em certa medida ajuda a que se equilibrem alguns elementos e se tenham certas coisas em consideração, mas na maior parte dos casos é negativo, é algo que nos faz mal. (...) O pior medo é o medo de nós próprios e a pior opressão é a auto-opressão. Antes de se tentar lutar contra qualquer outra coisa, penso que é importante lutarmos contra ela e conquistarmos a liberdade de não termos medo de nós próprios.

José Luís Peixoto, in 'Diário de Notícias (2003)'
Morrer de amor
ao pé da tua boca

Desfalecer
à pele
do sorriso

Sufocar
de prazer
com o teu corpo

Trocar tudo por ti
se for preciso
- Maria Teresa Horta

18/03/2011

Universo desalinhado

e o Capuchinho Vermelho esperou, esperou
na beira da floresta escura,
pelo Lobo Mau que afinal era bom,
que afinal, não era só body mas também soul,
...
do outro lado do arvoredo,
o Lobo Mau (que afinal era bom) dormia profundamente
no colo da Branca de Neve,
depois de ter trincado a maça perfumada
que estava "embruxada"
...
aflita, a Branca de Neve pensava
que se não repousasse o suficiente, no seu eterno sono de juventude,
o Príncipe não a viria beijar
e em vez da pele branca encontraria uma
pele enrugada de preocupações
...
horrorizado, o Príncipe - que era um pouco tonto -,
olhava o espelho mágico que não percebia estar quebrado,
e, no lugar do seu reflexo,
encontrava o feio mas terno Monstro
...
nas mãos do Monstro, brilhava o sapatinho de cristal
da Gata Borralheira, que os sete anões irados
teimavam em guardar na pedreira,
resguardando-se para melhores dias
...
...
neste Universo tão desalinhado,
de estrelas e planetas sem contexto,
Capuchinho Vermelho sabia que nunca encontraria o seu Amor
- o que fazer? perguntava-se.

17/03/2011

I

Glorifiquei-te no eterno.
Eterno dentro de mim
fora de mim perecível.
Para que desses um sentido
a uma sede indefinível.

Para que desses um nome
à exactidão do instante
do fruto que cai na terra
sempre perpendicular
à humidade onde fica.

E o que acontece durante
na rapidez da descida
é a explicação da vida.

II

Harmonioso vulto que em mim se dilui.
Tu és o poema
e és a origem donde ele flui.
Intuito de ter. Intuito de amor
não compreendido.
Fica assim amor. Fica assim intuito.
Prometido.

III

Príncipe secreto da aventura
em meus olhos um dia começada e finita.
Onda de amargura numa água tranquila.
Flor insegura enlaçada no vento que a suporta.
Pássaro esquivo em meus ombros de aragem
reacendendo em cadência e em passagem
a lua que trazia e que apagou.

IV

Dá-me a tua mão por cima das horas.
Quero-te conciso.
Adão depois do paraíso
errando mais nítido à distância
onde te exalto porque te demoras.

V

Toma o meu corpo transparente
no que ultrapassa tua exigência taciturna
Dou-me arrepiando em tua face
uma aragem nocturna.

Vem contemplar nos meus olhos de vidente
a morte que procuras
nos braços que te possuem para além de ter-te.

Toma-me nesta pureza com ângulos de tragédia.
Fica naquele gosto a sangue
que tem por vezes a boca da inocência.

VI

Aumentámos a vida com palavras
água a correr num fundo tão vazio.
As vidas são histórias aumentadas.
Há que ser rio.

Passámos tanta vez naquela estrada
talvez a curva onde se ilude o mundo.
O amor é ser-se dono e não ter nada.
Mas pede tudo.

VII

Tu pedes-me a noção de ser concreta
num sorriso num gesto no que abstrai
a minha exactidão em estar repleta
do que mais fica quando de mim vai.

Tu pedes-me uma parcela de certeza
um desmentido do meu ser virtual
livre no resultado de pureza
da soma do meu bem e do meu mal.

Deixa-me assim ficar. E tu comigo
sem tempo na viagem de entender
o que persigo quando te persigo.

Deixa-me assim ficar no que consente
a minha alma no gosto de reter-te
essencial. Onde quer que te invente.

VIII

Eis-me sem explicações
crucificada em amor:
a boca o fruto e o sabor.

IX

Pusemos tanto azul nessa distância
ancorada em incerta claridade
e ficamos nas paredes do vento
a escorrer para tudo o que ele invade.

Pusemos tantas flores nas horas breves
que secam folhas nas árvores dos dedos.
E ficámos cingidos nas estátuas
a morder-nos na carne dum segredo.

Natália Correia, in "Poemas (1955)"